Algumas vezes, ao cair da tarde, separo um tempo para fazer minhas leituras. Não sou um típico devorador de livros, mas aprecio muito ler bons livros que me inspirem e me capacitem melhor para servir o Reino de Deus.
Algum tempo atrás um amigo me indicou um livro de Tomas Halik, um teólogo tcheco católico, que versa sobre o tema da esperança, em que o autor procura tratar do “retorno da religião em tempos pós-otimistas”.
Em certo trecho do livro me deparei com uma passagem bíblica na qual Jó, em seu difícil e complicado diálogo com Deus, chega ao ponto de dizer: “Sou indigno, como posso responder-te? Ponho a mão sobre a minha boca.” (Jó 40:4)
Temos vivido um tempo que parece que nossas bocas têm ficado abertas para falar e especialmente para defender nossos pontos de vista. Não para se alimentar, como poderíamos supor, mas para responder aos mais variados temas da vida.
Tenho notado que esse fenômeno tem crescido assustadoramente nos últimos tempos, quando não precisamos necessariamente abrir a nossa boca, mas simplesmente teclar aquilo que nossa boca gostaria de falar. Sim, os nossos dedos ocupam o lugar de nossas bocas, e fazem o trabalho dela com profundo esmero e rapidez.
A ânsia de sermos reconhecidos (ou conhecidos!) tem levado muitos a passarem mais tempo defendendo suas causas (muitas delas, justas!), em detrimento do tempo de solitude e reflexão diante do Senhor, durante o qual, necessariamente, precisamos tão somente ter ouvidos para ouvir e mente aguçada para entender o que o Criador quer nos falar.
Com o advento da pandemia, temos passado boa parte de nosso tempo dentro de quatro paredes e esse desejo quase incontido de digitarmos aquilo que nossa boca gostaria de gritar, certamente toma horas de nosso dia que poderíamos estar lendo, orando, tendo comunhão com nossa família ou mesmo realizando alguma ação de misericórdia e compaixão nesses dias de tantas tragédias.
Algo interessante surge nesse diálogo de Jó com o Senhor. O Eterno dirige-se àquele pobre homem dizendo: “Você vai por em dúvida a minha justiça? Vai condenar-me para justificar-se.” (Jó 40:8)
Conhecemos a história e sabemos o final dela. Tenho para mim que Deus, ao ver a reação daquele homem que perdera tudo na vida, e perceber sua decisão em ouvir e não falar, decidiu abençoá-lo ainda mais do que antes.
Nesses dias, dentre tantas afirmações que tenho ouvido e lido, uma delas tem chamado a minha atenção: “como cristãos, precisamos nos posicionar e defender aquilo que cremos ser o correto!” Pedro, ao escrever sua carta, afirma com todas as letras: “...estejam preparados para responder a qualquer pessoa que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês.” (I Pedro 3:15).
Como cristãos, nossa boca precisa estar aberta para compartilhar da fé que temos em Cristo, Senhor e Salvador. Ela também precisa estar aberta para defender e apoiar os órfãos, as viúvas, os que sofrem injustiça e vivem na pobreza, sem ter o que comer.
No entanto, parece que nossas bocas têm se aberto, prioritariamente, para defender muito mais nossos posicionamentos pessoais. Com isso, muitas vezes, temos ferido o nosso próximo. Famílias tem se separado. Amizades tem sido quebradas. Situações lamentáveis e que poderiam ser evitadas tem se repetido com tanta frequência.
É verdade também que, como cidadãos que somos, temos o direito e o dever de nos posicionar de acordo com aquilo que cremos ser o melhor para nós, para nossa família e para nossa nação.
Precisamos estar atentos diante daquilo que Jó disse em meio a enorme luta que passava: “coloco a mão em minha boca...” Provavelmente se ele vivesse em nossos dias ele diria: “evito teclar aquilo que pode ferir o meu próximo; ao ter o desejo de escrever algo que possa criar desunião e contenda eu retiro minhas mãos do meu teclado ou do meu celular”. Você já passou por essa experiência? Nosso amigo Jó, diante de um momento em sua vida em que ele teria todos os motivos para falar, gritar e buscar seus direitos, ele preferiu colocar a mão em sua boca.
Deixo as palavras daquele que se tornou o homem mais sábio que o mundo conheceu:
“Quem tem conhecimento é comedido no falar...” (Prov. 17:27). E cuidadoso também no teclar, penso eu.